Sibelle Meyer

mube

1. Definição de tectônica

De origem grega, o termo tectônica deriva da palavra tekton, carpinteiro ou construtor. Em geral, se refere a um trabalho artesanal em material “duro”¹, exceto metal (FRAMPTON, 1996,p.3-4). Metaforicamente, para Frampton (1996, p. 11) constitui se em um trabalho humano estruturado na interrelação de domínios de experiências que se contrapõem. Tal conceito se baseia na caracterização do shintai de Tadao Ando, como ser consciente que se realiza através do espaço vivido. Sekler (1965, p. 19)2 em Structure, construction and tectonics define tectônica como a expressividade formal resultante que não poderia ser percebida apenas através da estrutura ou do sistema construtivo isoladamente.

Mahfuz (2003, p. 72) define a construção da tectônica como sendo a “síntese dos vários subsistemas que compõem uma obra de arquitetura, em uma estrutura formal que possua identidade, sentido e consistência”. Ou seja, a forma se configura na síntese do programa, do lugar e do sistema construtivo (ARAVENA, 2019, s/p), onde os subsistemas não determinam a forma, mas a estimulam. O formal se refere à estrutura relacional, ou ao sistema de relações entre elementos internos e externos. Tal estrutura lhe confere sua “identidade formal” (MAHFUZ, 2003, p.73) o que corresponde à tectônica.

2. Tectônica como síntese da estrutura e do sistema construtivo

A tectônica, portanto, representa a síntese entre a estrutura relacional dos subsistemas e a aparência dos edifícios. Ela reflete uma poética do construir e não apenas as propriedades do sistema construtivo e da estrutura adotados (FRAMPTON, 1996, p.2). Ela está relacionada com a maneira na qual materiais – adotados no sistema construtivo – e estrutura se organizam em uma determinada forma, resultando em uma complexa montagem de elementos diversos que, em conjunto, determinam o todo. De modo igualmente lógico, os elementos isolados derivam desse todo.

Para Moneo (1985, s/p) a forma implica na construção e vice-versa. Mahfuz (2003, p.68) afirma não haver concepção sem um estudo construtivo. Mas, assim como inexiste uma relação geracional entre programa e forma, não se pode afirmar que a forma determina o sistema construtivo ou vice-versa. O mesmo ocorre com o binômio tectônica e forma, ou tectônica e estrutura. Existe uma interrelação entre sistema construtivo, forma e “sintaxe tectônica”, associada à “intenção tectônica” (FRAMPTON, 1996, p. 353, tradução nossa)³.

3. Intenção tectônica: alguns exemplos

Vale ressaltar que a tectônica não implica em delimitação espacial fisicamente definida. Sistema construtivo e estrutura, entendidos como expressão formal, conseguem se relacionar com a ideia de continuidade espacial ou de percepção espacial. Um exemplo é o projeto de Carla Juaçaba de uma capela para o Vaticano apresentado na Bienal de Veneza, em 2018. Segundo a arquiteta a utilização da cruz baixa, como a cruz de São Pedro, “conforma um espaço”⁴, um ambiente.

Imagem 1 – Vista da capela para o Vaticano, Bienal de Veneza 2018. Projeto de Carla Juaçaba

tectônica

Fonte: ₢ Carla Juaçaba. Disponível em https://www.archdaily.com.br/br/891125/ carla-juacaba- divulga-projeto-de-capela-para-o-vaticano-na-bienal-de-veneza-2018-foto.

Na proposta conceitual de uso e conservação dos remanescentes da Capela de São Bento, desenvolvida por Jô Vasconcelos⁵, para o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana – MG, intencionou-se fazer um “bunker” de concreto e lama “que dificilmente será destruído” para se preservar o “vazio da capela”.

Imagem 2 – Um bloco de concreto e lama para a preservação do espaço social da comunidade. Proposta conceitual de uso e conservação da Capela de São Bento, 2017, projeto não construído Jô Vasconcellos.

Fonte: Estilo Nacional, disponível em: https://www.fna.org.br/2020/06/15/projetar-tambem-ereescrever-a-historia/

Imagem 3 – Preservação da geometria interna da capela. Proposta conceitual de uso e conservação da Capela de São Bento, 2017, projeto não construído, Jô Vasconcellos.

Fonte: Estilo Nacional, disponível em: https://www.fna.org.br/2020/06/15/projetar-tambem-ereescrever-a-historia/

A proposta da arquiteta Jô Vasconcellos, demonstra o que Frampton (1996, p.353) denomina “intenção tectônica”, onde o material utilizado se relaciona não apenas com o sistema construtivo ou com a estrutura, mas com a “tatilidade da tectônica” (FRAMPTON, 1996, p.246), que por sua vez também se relaciona com a concepção arquitetônica. Tradicionalmente utiliza-se a tectônica tanto para se “criar o novo”, quanto para “reinterpretar o antigo” (FRAMPTON,1996,p. 375).

Um exemplo do uso da tectônica para se “criar o novo” é o projeto do Centro de Inovação – UC Anacleto Angelini, no Campus San Joaquim, Universidad Catolica de Chile, do arquiteto Alejandro Aravena / ELEMENTAL. Segundo Aravena (2021, s/p) um centro de inovação “tem a expectativa de ser algo contemporâneo, futurista”.

Imagem 4 – Centro de Inovação – UC Anacleto Angelini no Campus San Joaquim, Universidad
Catolica de Chile, 2014, projeto do arquiteto Alejandro Aravena / ELEMENTAL

 sistema construtivo

Fonte: ₢ Nico Saieh, disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/627513/centro-de- inovacao-uc-anacleto-angelini-alejandro-aravena-elemental

Para Aravena (2021, s/p) o uso do vidro corresponderia mais facilmente à imagem futurista almejada. Porém, no seu entendimento, tal material não seria coerente com as condições climáticas da cidade, onde uma “massa opaca periférica”, o sombreamento das aberturas com o propósito de evitar a radiação solar e o uso de ventilação cruzada, seriam mais adequados. A tectônica se apoia, então, no tripé: concepção arquitetônica, análise da estrutura e correta solução do problema arquitetônico (FRAMPTON, 1996, p. 335). 

Acompanhe as postagens no blog para acompanhar essa série e nos siga no Instagram!

_________________________________________________________________________

¹ No original hard materials, materiais que não podem ser quebrados, cortados, torcidos ou
raspados facilmente.
² SEKLER, Eduard. Structure, construction and tectonics [Estrutura, construção e tectônica]
Connection: Visual Arts at Harvard, March 1965, p.3-11.
³ No original: tectonic syntax e tectonic intention.
⁴ “Carla Juaçaba fala sobre sua capela para o Pavilhão do Vaticano na Bienal de Veneza 2018” 05 Jun 2018. ArchDaily Brasil. Acessado 22 Out 2022.
⁵ Jô Vasconcellos em apresentação na palestra: Encontros de arquitetura contemporânea.
EAUFMG em 19/10/1922. Anotações. Ver também Arquitetura e comunidade/ Jô Vasconcellos/
TEDxPUCMinas disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NpxSj4HUF1I

REFERÊNCIAS

ARAVENA, Alejandro. In: SOUZA, Eduardo. Alejandro Aravena: A necessidade mais básica e urgente é como um template que elimina o irrelevante. ArchDaily Brasil, 09 Set 2019. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/924455/alejandro-aravena-a-necessidade- mais-basica-e-urgente-e-como-um-template-que-elimina-o-irrelevante

ARAVENA, Alejandro. Depoimento em ARQUIS, série documental da HBO Brasil, direção de Emilio Millé, 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-S-eHbreyQ0. Acesso em 14/10/2022.

FRAMPTON, Kenneth. Studies in tectonic culture: the poetics of construction in nineteenth and twentieth century architecture. Cambridge: MIT Press, 1996.

MAHFUZ, Edson. Reflexões sobre a construção da forma pertinente. In: LARA, Fernando, MARQUES, Sônia. Orgs. Projetar: desafios e conquistas da pesquisa e do ensino de projeto. Rio de Janeiro: EVC, 2003. p. 64 – 88

MONEO, Rafael. The Solitude of Buildings, Aula Magna, Kenzo Tange Visiting Professor Chair, Harvard University Graduate School of Design, 1985. In: FRACALOSSI, Igor Fracalossi. A Solidão dos Edifícios / Rafael Moneo. ArchDaily Brasil 10 Jan 2013. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/626120/a- solidao-dos-edificios-rafael-moneo

 

Precisa de ajuda?