Por Jacqueline Alves Vilela

HIS

Este texto tem como objetivo analisar a produção da Habitação de Interesse Social (HIS) no Brasil e indicar a adoção de estratégias sustentáveis em projetos, visando melhorar o conforto ambiental e a eficiência energética das unidades habitacionais (UHs).

A massificação e uniformização de projetos tem dominado a produção da HIS no Brasil.  De modo geral, técnicas construtivas, arranjos espaciais e programas das unidades habitacionais, além do desempenho energético e conforto ambiental não têm respondido às diversidades urbanas, sociais e bioclimáticas brasileiras. 

Vários autores (KRAUSE et al.,2013; FERNANDES, 2013; MARICATO, 2014, RUFINO, 2015; BALBIM et al., 2015; VILLA et al., 2016) indicam que a produção da HIS no Brasil tem sido norteada pelos seguintes parâmetros:

a) Implantação nas franjas da cidade sem acesso aos serviços urbanos de saúde, educação, transporte e lazer;
b) Predeterminação do modo de vida da população com ausência de participação popular nas decisões de projeto e obra. Propõe-se um atendimento para todo o conjunto da população que, apesar de sua diversidade, é considerada como homogênea apenas por possuir baixa renda;
c) Adoção de soluções tradicionais e padronizadas de projeto, com minimização dos espaços internos, sem considerar as reais necessidades e especificidades dos futuros usuários;
d) Adoção de práticas de mercado que visam o lucro da indústria da construção civil e também auferir capital político pela entrega de moradias ao maior número de pessoas possível, em detrimento da função social da cidade e da qualidade funcional e dimensional do projeto;
e) Em relação ao conforto ambiental e eficiência energética, não se levam em consideração as condicionantes ambientais – trajetória solar, ventilação urbana, temperatura e umidade – e boas condições para as implantações dos projetos em locais específicos. A desconsideração destes aspectos locais pode ser evidenciada pela similaridade dos produtos em regiões diferentes, seja na produção dos loteamentos de casas unifamiliares geminadas, predominante nos municípios menores e não metropolitanos, seja na produção dos condomínios com edifícios de múltiplos pavimentos, predominante nos espaços metropolitanos.

O Grupo Técnico (GT) de Conforto Ambiental e Eficiência Energética da Associação Nacional de Tecnologia no Ambiente Construído (ANTAC) tem se dedicado a reunir estudos e normatizar o conforto ambiental – conforto térmico, acústico e luminoso – e eficiência energética em edificações, incluindo as HIS ligadas ao Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). De forma geral, os estudos do GT da ANTAC demonstram que as classificações gerais da Etiqueta Nacional de Conservação de Energia (ENCE) dos edifícios do PMCMV não atingem os níveis A e B, sendo que mais de 50% encontram-se no nível C e algumas atingem até o nível E, o que nos permite afirmar que projetos do PMCMV não têm bom desempenho energético.

Algumas regras de dimensionamento ambiental – desempenho térmico, acústico e lumínico – e de parâmetros ergométricos foram propostas, principalmente na promulgação da Norma de Desempenho – ABNT- NBR 15.575 (2013), porém são insuficientes em sua abrangência para enfrentar o problema de forma mais sistêmica.

Estratégias sustentáveis – HIS

Assim, é importante indicar algumas estratégias sustentáveis que podem ser aplicadas no momento da elaboração do projeto, visando melhorar o conforto ambiental e a eficiência energética das unidades habitacionais (UHs).

Com relação a orientação solar, vários autores indicam que as orientações das fachadas são importantes para avaliar os níveis de eficiência energética das UHs, uma vez que a radiação solar recebida em cada fachada contribui para o aquecimento dos ambientes internos. Indica-se que o projeto deve orientar as menores fachadas no sentido leste-oeste, para que a radiação solar incidente seja menor, favorecendo a obtenção de maiores níveis de eficiência energética, para o caso de UH avaliada pelos critérios do Regulamento Técnico da Qualidade Residencial (RTQ-R) (INMETRO,2012). Além disso, para definir a orientação das UHs deve-se levar em conta os ventos predominantes do local. 

Figura 1- Implantação SEHAB Heliópolis / Biselli Katchborian Arquitetos


Para a ventilação e iluminação naturais, as UHs devem inicialmente, atender as áreas mínimas para as aberturas apresentadas na NBR 15.220 (ABNT, 2005) e propiciar ventilação cruzada. Além disso, o projeto deve prever o posicionamento ideal de aberturas nas diferentes fachadas e uso de portas internas com frestas que favoreçam a ventilação natural mesmo estando fechadas. 

Ao se analisar as envoltórias, os estudos indicam grande influência das propriedades termofísicas da cobertura no desempenho termoenergético das UHs. A absortância solar da cobertura foi listada como um dos parâmetros mais influentes no desempenho de habitações pelo método do RTQ-R (SILVA; GHISI, 2013). Reduzir os valores absolutos da absortância solar das coberturas impacta positivamente nas equações do método prescritivo do regulamento. Assim, com o uso de elementos brancos e daqueles revestidos com tintas especiais de alta refletância no infravermelho, pode-se reduzir a absorção solar e melhorar o desempenho das UHs. 

Tal como nas coberturas, as propriedades termofísicas das paredes influenciam de forma direta a eficiência energética da UHs. As paredes também devem seguir indicadores mínimos de desempenho, calculados a partir das propriedades dos materiais dos diversos sistemas construtivos para garantir maiores níveis de eficiência energética das UHs. De maneira geral, a literatura aponta que paredes de concreto de 10 a 12 cm, comumente utilizadas na construção da HIS, são menos eficientes que paredes executadas em blocos cerâmicos (MORENO et al., 2017). Sistemas construtivos sustentáveis, tais como paredes de adobe, sistemas construtivos de madeira e light steel frame se mostraram mais viáveis em relação ao desempenho da envoltória, quando comparados a paredes de blocos de concreto e podem também reduzir o impacto ambiental da construção da HIS. 

Figura 2-Fachadas claras e janelas com proteção solar em SEHAB Heliópolis / Biselli Katchborian Arquitetos

Com relação ao conforto acústico, diversos estudos que avaliaram HIS apontam que as obras executadas com materiais comumente utilizados pelas construtoras, como alvenaria estrutural de bloco de concreto simples, tijolo furado ou paredes maciças de concreto de 10 e 12 cm, lajes de piso em concreto moldado no local, sem manta acústica e paredes hidráulicas sem camada de isolamento acústico, não satisfazem os requisitos mínimos da Norma de desempenho (ABNT NBR 15.575-4, 2013) para isolamento ao ruído.

Analisando o aquecimento solar de água, vários estudos incluindo Lamberts et al. (2019) e experiências tais como a instalação de aquecedores solares no conjunto Sapucaias, Contagem, MG (COHAB-MG, 2021), indicam que o uso de aquecimento solar de água é viável e possibilita reduzir a demanda de pico de energia, ao se substituir chuveiros elétricos por sistemas de aquecimento solar, além de se obter entre 30% e 40% de redução do consumo de energia elétrica. Entretanto, apesar de vantajoso, é necessário que os sistemas de aquecimento solar sejam projetados e executados adequadamente.    

Figura 3 – HIS/Conjunto Sapucaias com instalação de Kit para aquecimento de água

Com relação ao uso racional de água, importante referência é o estudo de Ghisi et al. (2015). Os autores analisam o uso racional de água e eficiência energética em HIS. A metodologia envolveu levantamento de dados em habitações unifamiliares de interesse social da região da Grande Florianópolis. Como resultado, o estudo demonstra que o maior uso final de eletricidade registrado é devido ao chuveiro elétrico. Assim, os autores também indicam que o uso de aquecimento solar de água, refrigeradores e televisões mais eficientes, além de utilização de lâmpadas mais eficientes, seriam alternativas recomendadas para aumentar a performance energética das HIS. Demonstram ainda, que o uso de água cinza produzida a partir de efluentes dos chuveiros, lavatórios e lavadora de roupas poderia fornecer 23-32% da demanda total de água nessas habitações e indicam um bom potencial de uso de água pluvial e água cinza como fontes alternativas de abastecimento de água para fins não potáveis, como tanque, bacia sanitária e torneira externa. 

Desta forma, pode-se inferir que já existem estudos e ferramentas capazes de apoiar a adoção de estratégias sustentáveis em projetos, que visam melhorar o conforto ambiental e a eficiência energética das unidades habitacionais das HIS. Cabe aos arquitetos e urbanistas conhecer e aplicar, ainda na fase de projeto, tais estratégias, em prol de uma qualidade de vida maior, um menor impacto ambiental e um mundo mais sustentável. 

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